segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

De Onde Vem O Tiro?

   O tiro de misericórdia veio antes do suspiro. Antes mesmo de perceber a sua direção...Tal qual um menino que não sabe que direção seguir, reajo ainda sem saber que rumo tomar. Já fui alvejado antes, mas a dor nunca é igual... Nunca estamos preparados para o inesperado que se apresenta como o novo. Que pinta novos quadros, ou modifica profundamente os já existentes. Que reescreve o roteiro, modifica os capítulos e vai devastando tudo tal qual uma catástrofe natural e...Humana!
   Antes de qualquer reação vem o tiro...De onde ele vem? Só sinto a dor lancinante... Fecho minhas pálpebras e vejo uma criança perdida, confusa em meio a multidão. Ela se pergunta? - "Onde está mamãe?" e a mamãe não aparece. Ela se desespera e vê um rosto que se aproxima e sorri. Instintivamente a criança para. A medida que a pessoa com um sorriso dócil se aproxima, não sabe ao certo se é a mãe que tanto procura, mas o torpor já começa a afetar a sua capacidade cognitiva.
   Talvez por uma fração de segundos, ou um pouco mais de atenção eu tivesse notado a arma apontada para mim o tempo todo. Entretanto quando tento encontrar a resposta em meio ao torpor que ameça a minha sanidade, consigo ter o momento mais lúcido... Que me diz que aquela arma não era pra ser vista, aliás ela nem tava ali. E continuo sem saber de onde vem o tiro? Sinto apenas o gosto amargo na boca e o alarido surdo em meu coração. Tento ouvi-lo na tentativa desesperada de encontrar um antidoto que salve minha vida. E talvez o antídoto nem salve, talvez seja um produto do meu devaneio, da minha desilusão.
   Glóbulos, nervos, tecido, músculos... Fibra, rosto, posto, nuvem, raio, trovão, caixão... Eis a casa pequena e sufocante e a certeza de que a cada inspiração vou expirando vida...brincando com a desgraça, flertando com a morte que me diz que sou forte. Mas não o bastante para sobreviver ao tiro, é preciso conhece-lo, mas ele não gosta de socializar. Ele aparece quando menos se espera causa estragos e vai embora. Tento juntar os cacos, mas cacos quebrados não voltam a ser belos jarros, mas ainda assim podem ser restaurados.
   Restaurado...Aquilo que pode ser recuperado. Mesmo em meio ao caos que se encontra minha existência. O caos equilibra minha desilusão, mesmo que eu não admita e talvez ainda não perceba, mas ele me obrigada a seguir lutando para continuar vivendo e não apenas sobreviver... Corro em busca do meu lugar no mundo, e como todos os guerreiros que lutam por algo que acreditam me entrego, me rendo a um único momento e me perco num olhar que já não tem mais o mesmo brilho de antes. E novamente a pergunta que já faz parte de minha existência... De onde vem o tiro....?
   Compreendo que nem eu e nem ninguém sabe de onde vem o tiro...O que descobri é que ele sempre vem, as vezes esperamos por ele...Mas na grande maioria delas não. Como também não estamos preparados, mas ele vem e devasta tudo por onde passa, e você sente o sangue quente pulsar...Pensei e acreditei que o meu fim estava próximo. E já nem acreditava mais que sobreviveria tamanho foi o golpe, certeiro, quase mortal no coração...Mas na vida morremos e vivemos muitas vezes. A cada segundo da existência algo mágico acontece.
   Penso em ser livre e no momento em que penso que sou... Percebo que é uma grande utopia no sentido mais amplo da palavra. Pois ninguém pode ser totalmente livre que possa fazer o que quiser e nem tão preso que não se permita momentos de liberdade.
   Os homens quando enxergam a vida com paixão criam verdades absolutas. No momento em que escrevo não sei se vivo, ou se sou uma mera concepção do eu. Em uma única existência pode-se morrer e viver diversas vezes... Mas não se pode negar de enfrentar o tiro mesmo não sabendo de onde ele vem.